Terceira
Parte:
O grande legado.
“Acredito que a consciência crítica de
Ênnio Amaral, como educador de uma instituição técnica e como cidadão capaz de
perceber as necessidades que o rodeavam, permitiu sua intervenção para mudar a
realidade posta em uma região da metade sul do Rio Grande do Sul, que se
estendeu por outras regiões. Penso que a clareza de pensamento desse homem
sobre as possibilidades de uma tecnologia econômica e de custo reduzido, para
mudar o seu entorno, é que permitiu a realização e conseqüente aplicação desse
conhecimento, em forma de um trabalho de extensão.” – Prof. Nei Carlos de
Moura.
O
professor Ênnio de Jesus Pinheiro Amaral é uma personagem que faz parte da
história da Escola Técnica de Pelotas (ETP), Escola Técnica Federal de Pelotas
(ETFPEL) – depois Centro Federal de Educação Tecnológica de Pelotas (CEFET-RS),
atual Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Sul-rio-grandense (IFSUL)
– como também da região sul do Estado do Rio Grande do Sul.
É
notória a utilização de suas pesquisas em projetos de eletrificação rural a
baixo custo em, praticamente, todo o território nacional e até mesmo fora do
país, beneficiando as comunidades rurais, notadamente aquelas de baixo consumo
e baixo poder aquisitivo, que formam a maioria dos consumidores dessa categoria
de consumidor de energia elétrica.
Um
dos muitos feitos do Prof. Ênnio Amaral, verificando que o mercado de trabalho,
em seus diversos segmentos, ressentia-se de profissionais de nível técnico –
voltados para a manutenção elétrica e mecânica, mas que também pudessem operar,
projetar e supervisionar sistemas de produção industrial – foi apresentar, à
comunidade,a criação do Curso de Manutenção eletromecânica, em 1973, iniciando
suas atividades em 1974. O professor foi seu coordenador até 1977.
As
pesquisas aplicadas e informações que possuía, relacionadas à eletrificação
rural pelo sistema alternativo, foram explanadas em Brasília, na Comissão de
Ciência e Tecnologia da Câmara Federal, no dia 30 de maio de 1979. O prof.
Ênnio se fazia acompanhar do Prof. Sebastião Ribeiro Neto, Vice - Diretor daETFPEL.
Nas
fotos que se seguem, feitas no aeroporto de Brasília, temos a FIG. 1, que
mostra o câmera men, o Prof. Sebastião Ribeiro Neto, a repórter Ana Amélia
Lemos, da TV Gaúcha, e o Prof. Ênnio Amaral.
A
FIG. 2 mostra, ao centro, o Prof. Ênnio Amaral e, a sua esquerda, o Prof. Sebastião,
sendo que o fotógrafo impede que se vejam alguns membros da Comissão, ao fundo,
ao lado do Prof. Ênnio. Na FIG. 3, veem-se membros da Comissão de Ciência e
Tecnologia e, na FIG. 4, vê-se o Prof. Ênnio Amaral discorrendo sobre suas
pesquisas.
Essa
ida à capital do País, do Prof. Ênnio, acompanhado do Prof. Sebastião,
repercutiu por quase todo o Brasil. Vários meios de comunicação anunciavam um
novo Sistema de Eletrificação Rural a baixíssimos custos; outros chegaram mesmo
a colocar abaixo do Título da matéria o ovo de Colombo.
Dias
após a apresentação do Prof. Ênnio na referida comissão, o Deputado Hugo
Rodrigues da Cunha (ARENA-MG, 1979) discursou na Câmara sobre o tema
eletrificação rural. Considerando a relevância para este projeto de pesquisa, cito
parte do discurso, pois nele estão inscritos alguns cenários do País à época;
(Senhor
Presidente
Senhores
Deputados
Por
vocação voltada para os problemas do campo, temos notado que a carência
de conforto, de assistência escolar e de saúde, além de outros fatores ligados à
própria condição de trabalho penoso, têm sido os motivos do êxododo
Trabalho rural para as Grandes cidades. [...]. Entendemos que, para a melhoria
das condições do homem do campo, [...] a ENERGIA ELÉTRICA significará
o grande passo do progresso rural, [...]. No entanto, dentro das normas
atuais que exigem o emprego do cobre ou alumínio, em constante alta de
preços, além de pequena distância entre os postes sustentadores das
linhas, tudo encarece sobremodo a construção desses melhoramentos.
Eis que,
na Comissão de Ciência e Tecnologia, tomamos conhecimento dos experimentos
dos Professores Sebastião Ribeiro Neto e Ênnio Jesus Pinheiro, da ESCOLA
TÉCNICA DE PELOTAS, que, por recomendação do prezado colega,
Deputado Alexandre Machado, nos trouxe a revelação de que é possível a
utilização do fio de aço galvanizado para a condução de energia elétrica.
[...] é muito importante registrar ainda que a mesma Escola tem construído
um transformador de 1 kVA, no valor irrisório de pouco mais de 3 mil
cruzeiros, [...] o menor transformador atualmente produzido, de 5 KVA, custa
Cr$ 45.000,00; Quando tomamos conhecimento desse trabalho, promovemos
o comparecimento dos professores da Escola Técnica dePelotas a
Belo Horizonte. [...] Será que o nosso país adotando as chamadasNormas
Técnicas Brasileiras, que de nacionais não têm senão o nome, não estará
apenas fazendo há tantos anos o jogo dos países exportadores, muitomais
ricas, que nos mandam normas técnicas excessivamente rigorosas,um “luxo”
de tecnologia, quando poderíamos, sem maiores inconvenientesdo que
enriquecer sempre as multinacionais e os centros de decisãoestrangeiros
rever todas estas normas, dentro de um programa espartano, colocado
na realidade nacional [...] quem sabe idealizando nossas própriasnormas e
criando tecnologia, a exemplo do Japão que constrói lages em que o ferro de
construção é substituído por bambu?!... Fica o alerta, [...] porqueo Brasil
tem pressa! Porque é preciso levar AGORA inovações ao campo,rompendo a
rotina e os conceitos tradicionais, calcados nem sempre na racionalidade,
no realismo da nossa extensão territorial, no realismo danossa
carência de desenvolvimento (arquivo do IFSul, pasta: eletrificação rural,
grifos do Prof. Nei Carlos).
No dia 16 de maio de 1979 (FIG. 5), o Diário Popular
publicou Eletrificação rural com fio de aço tem dimensão nacional. Tratava a
matéria da inauguração de uma rede troncal construída pelo sistema
convencional, mas contendo três ramais, dela derivados construídos pelo Sistema
Monofilar com Retorno por Terra (MRT), cujos condutores eram fios de aço (arame
liso de alambrado).
A matéria, pela primeira vez em meios de comunicação de
massa, tratava de uma tecnologia que órgãos de governos, entidades de classe e
outras instituições e, até mesmo pessoas físicas, viriam, ao seu devido tempo,
contestar, tomar para si a sua difusão, impedindo a sua divulgação e o seu
emprego, principalmente no Rio Grande do Sul, mesmo que tecnologia similar já
fosse empregada em outros países.
Nessa perspectiva, percebe-se que as pesquisas do professor
Ênnio e seus pares da comissão da ETFPEL começavam a ser reconhecidas pelos
órgãos governamentais, notadamente pela Companhia Estadual de Energia Elétrica
(CEEE). A primeira vez em que se noticia algo sobre construção de redes rurais,
em sua totalidade, pelo processo desenvolvido pelo Prof. Ênnio, data do dia 21 de
março de 1979, cuja matéria intitulava-se: Piratini será o primeiro município da
Zona Sul a receber novo processo de eletrificação rural.
Era o início das primeiras tratativas de implantação do
denominado Projeto Piratini, que envolvia uma extensa área rural a ser
eletrificada. Na FIG. 6, abaixo, à esquerda está o Prof. Sebastião R. Neto,
representando a direção da ETFPEL; em pé, o Prefeito Paulo Goularte Borges, um
membro Diretor da CEEE, o Prof. Ênnio Amaral, e, também, outro Diretor da CEEE.
O Prof. Ênnio iniciou suas pesquisas no início da década de
70, conforme a publicação Fios e Cabos de Aço Galvanizados nos Processo de
Eletrificação Rural, ETFPEL, 2ª Edição (1979), na qual, em seu prefácio,
justifica tal pesquisa dizendo que;
“A eletricidade constitui-se em nossos dias na mais
importante forma deenergia a
serviço do homem [...], é necessário reconhecer que sua utilização tem sido
um privilégio das comunidades urbanas, ficando o meio ruralalheio aos
benefícios. Era chegada a vez da eletricidade ir ao campo,descerrando
novos horizontes à economia agropecuária [...]. É a técnicasendo
transformada em progresso e bem estar. Diante de toda gama depossibilidades,
professores e alunos [...] empunharam as ferramentaspor serem
co – participantes desse arrojado plano de levar a tecnologia ao homem
do campo substituindo técnicas primitivas. E fomos bem
sucedidos.
Nosso ponto de partida foi a sala de aula [...]. Vimos que nãohavia mais
lugar para estimularmos o consumo supérfluo da energia.
Motivados
pelo êxito dos estudos desenvolvidos, sempre alicerçados embases
científicas, passamos a acompanhar os resultados das instalações.
[...].
Contamos com a confiança da firma coronel Pedro Osório [...], atravésdo Sr.
Luis Osório Reichsteiner Filho, Diretor de Produção [...] projetei econstruí
uma rede elétrica [...] no ano de 1973 [...]. O espírito da pesquisa,
da crítica
construtiva e do encaminhamento de soluções deixa transparecer,assim, o
patriotismo sincero e conseqüente de que é imbuída esta publicação. [...] uma
atuação mais constante [...] dos técnicos da Escola
Técnica
Federal de Pelotas junto aos setores da Companhia Estadual deEnergia
Elétrica, onde reuniões foram uma constante. Destacam – se osencontros
com os Chefes Responsáveis pelas gerencia Regionais de Pelotas,Camaquã,
Bagé, e Subgerência de São Lourenço do Sul [...] o incentivodo Engenheiro
Cláudio Fernandes Barbosa, Presidente da CEEE. [...] ao qual
presta sua homenagem muito especial. Escalando os muros de seu
academicismo
exclusivo, a ETFPEL orgulha – se em incentivar a práticado binômio
“ensino – pesquisa” [...] para fixar o homem do campo em seupróprio
ambiente [...]. Atuando sem sair do solo que o viu nascer, onde
formou
seus princípios, espera-se, possa ser no amanhã, mais útil ainda,tal como
hoje, é bem mais atuante do que o foi ontem (grifos Prof. Nei Carlos).
A primeira que foi
construída no Municipio de Herval do
Sul em 1979 cujo ramal era de
aproximadamente 10 Km.
Na FIG.7, pode-se ver a placa colocada por ocasião da
inauguração da rede de Herval do Sul. Na FIG. 8, o Prof. Ênnio, ao centro,
aponta um transformador; a sua direita, o Prof. Sebastião R. Neto. O Prof.
Ênnio explanava sobre redes rurais e unidades transformadoras de pequena
potência, para prefeitos da zona sul e técnicos da CEEE.
A construção de uma pequena rede de alta tensão (em
torno de 6 Km),
em 1973, alimentava um pequeno transformador de distribuição de 5 KVA, na
granja Coronel Pedro Osório – Industrial, Comercial e Agrícola, gerenciada,
então, por Luis Osório Reichesteiner Filho, Diretor de Produção. O diferencial
dessa rede é que ela era composta (sob o olhar do leigo) por apenas um condutor
ou fio elétrico e, além do mais, o material usado como condutor não era cobre
nem alumínio (condutores normais para redes e instalações elétricas), materiais
considerados de alto custo e, na sua maioria, importados.
O material usado como condutor era o aço,
precisamente um fio dearame galvanizado, liso, usado na construção de
alambrados, de custo baixo.
Naturalmente, o outro condutor era a própria terra,
SISTEMA MRT – também conhecido por Sistema Alternativo de Eletrificação Rural e
Sistema ETFPEL; para muitos rurícolas as rede do Professor; para seus íntimos,
as redes do Tio Ênnio. Mais tarde, a Siderúrgica Belgo Mineira, orientada pelas
pesquisas da ETFPEL, passou a fabricar fios de aço com alto teor de carbono e dupla
galvanização, além de um cabo de aço de três fios trançados (3 x 2,25), usados
como condutores nas redes de alta tensão.
O projeto do professor Ênnio desenvolveu a técnica de
como construirredes de alta tensão, bem como seus acessórios, mas
com baixo custo, isto é, o professor estava procurando desenvolver uma
tecnologia acessível aos cidadãos de baixa renda, de acordo com o momento
econômico que o nosso País atravessava. Elucidando as afirmativas, consta no
Jornal O Estado de São Paulo, em 31-05-1979, dia em que o Prof. Ênnio
palestrava em
Brasília.
Fig. 10 Arquivo de artigo da CEEE instalação rural com linha MTR em comunidade do MST.
A construção das redes propostas pelo Professor
envolvia, a partir de estudos de publicações que versavam sobre tais redes,
pesquisas técnicas sobre a construção de redes com todos os equipamentos
desenvolvidos, colocando-os sob a forma de pesquisa aplicada.
Estava,
portanto, o Prof. Ennio Amaral, juntamente com toda a comissão de pesquisa, desenvolvendo uma nova tecnologia. Sobre
técnica e tecnologia, vejamos o que diz Raymond Williams (apud KOBER, 2004,).
A construção das redes por processo de mutirão, da
maneira como foi pensada, articulada, concebida e materializada, também
constituiu um tipo de tecnologia.
É um produto que, se utilizado, transforma a
realidade social do local ou região, evidenciando os estudos auferidos no
subtítulo sobre extensão universitária.
Matando a cobra e mostrando o bicho o morto, para não
deixar duvidas de quem foi o precursor;
Desenho básico do trafo monobucha para instalação do trafo junto ao medidor e quando o medidor fica distante.
Ademar Bartell diz;
- “Meu irmão João Bartell, fazia parte da equipe do Prof
Ênnio que desenvolveram um sistema de eletrificação rural, usando poste
de madeira trabalhada, da própria propriedade rural e com somente um condutor,
não sei detalhes técnicos, mas a idéia dele foi comprada por diversas
cooperativas e meu mano foi para Taquarí e Palmares,
trabalhar com essa tecnologia. Certa feita ele foi em Curitiba apresentar o
projeto...”
Ledemar
Neutzling diz;
A primeira linha de transmissão de
energia com arame galvanizado foi no interior de Herval, varias fazendas do
Cerro Chato, distrito de Herval ainda contam com esta eletrificação, por um bom
tempo havia uma placa na bifurcação da estrada de acesso ao
Cerro Chato, dando ciência do fato, e do seu criador Prof. Ênnio Amaral,
esta rede servia a fazenda São José do Sr. Gilberto do Amaral Isaacsom, ode
tive o prazer de trabalhar ,na manutenção da fazenda por mais de 20 anos.
Professor Gilfredo Renck diz em seu
artigo no Diário Popular;
“- Movidos pelo idealismo, a perseverança
e o senso teórico-prático desse mestre, um grupo de educadores da ETFPel,
muitos ainda em atividade no Cefet-RS, embasou estudos de viabilidade técnica e
econômica e, com o aval de inúmeros municípios da Zona Sul - tais como Herval,
Piratini, Canguçu, Pedro Osório, Jaguarão, dentre outros - concretizou várias
redes de eletrificação rural (mesmo vencendo as adversidades impostas pela CEEE
).
Nos dias de hoje, algumas concessionárias
tratam de modo diferente e seletivo tal aplicação, levando em conta aspectos de
segurança, desbalanciamento de carga nos alimentadores, atuações dos novos
relés de proteção diferencial e fuga a terra e até, pelas velhas questões de
custos em que a partilha é menor para interessados, afinal o programa federal
“Luz para Todos veio injetar recursos neste setor e aí é dinheiro do povo...
O Mestre Prof. Ênnio Amaral teve seu
passamento em 17 de agosto de 1985, às 19 horas, em Pelotas, no Hospital
Sociedade Portuguesa de Beneficência. Contava com 49 anos de idade. Deixou a
esposa, Maria Ieda Sedrez Amaral, e os filhos, Daltro de Jesus, Pura, Virginia,
Eugênio, maiores de idade, e Sylvia, com 20 anos, Marta, com 16 anos, e Felipe,
com 11 meses de idade.
As duas cidades de sua região homenagiaram-lhe dando o nome de ruas.
Piratini;
Herval;
Ao “Mestre com carinho”! Espero que, com
estes tópicos a verdade possa ser desvendada a frente de todos e restabelecido
mérito a quem de direito.
Fonte : Revista Thema | 2011 | - Artigo do Professor Nei
Carlos de Moura.
Meus agradecimentos ao Prof.
Nei Carlos de Moura pelo brilhante trabalho e artigo escrito em que me baseei
majoritariamente.
A família Amaral por ter autorizado
escrever estes tópico, principalmente na figura de Virginia Amaral.
Agradecimentos pelos comentários carinhosos de Pura Amaral, os netos Ênninho
Amaral e Camila Amaral e do sobrinho neto Luciano Manetti.
Aos irmão ETEPEANOS do Grupo do Yahho e
do Facebook pelo incentivo, ajuda e colaboração direta.