Simetria CP
Um experimento destinado a medir as mutações
que os neutrinos sofrem, passando de um tipo para
outro, está ajudando os físicos a preencherem uma
das grandes lacunas do Modelo Cosmológico
Padrão, o modelo do Big Bang: Por que a matéria
existe, se o modelo propõe que matéria e
antimatéria foram criadas em quantidades iguais
no nascimento do Universo?
em andamento na França, conduzido por uma
colaboração internacional com participação
brasileira, que envolve cientistas do Centro
Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), da
Universidade Federal do ABC (UFABC) e da
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Esquema do experimento Double Chooz, que está obtendo resultados pioneiros sobre propriedades dos neutrinos.[Imagem: Double Chooz Experiment]
Para a equipe, os experimentos feitos até agora forneceram "conhecimentos cruciais para a compreensão do fenômeno que possibilitou a constituição do universo material".
Pela análise, os físicos concluíram que esse
fenômeno, chamado "violação da simetria de carga-
paridade dos léptons", produziu, logo depois do Big
Bang, um pequeno excedente de matéria em
relação à antimatéria. É esse excedente que
compõe, atualmente, o universo conhecido.
Tipos de neutrinos
Existem três tipos ou "sabores" de neutrinos: o
neutrino do elétron, o neutrino do múon e o
neutrino do tau. A "oscilação dos neutrinos" é o
nome genérico que se dá para a transformação de
um tipo em outro - a descoberta dessa conversão
O experimento Double Chooz consiste na medição
do fluxo de neutrinos disparado - em uma
determinada direção e sentido - pela central
nuclear de Chooz, localizada próximo à fronteira da
França com a Bélgica. O fluxo é medido por meio de
dois detectores idênticos, situados respectivamente
a 400 metros e a 1.050 metros do reator. A
diferença na quantidade detectada permite calcular
a transformação de um tipo de neutrino em outro e
o ângulo de mistura entre os tipos.
A medição precisa desse ângulo de mistura,
um dos objetivos principais do experimento Double
Chooz - não apenas pela informação acerca da
natureza intrínseca dos neutrinos como,
principalmente, por sua conexão com a violação da
simetria de carga-paridade nos léptons, que teria
produzido o excedente de matéria que constituiu o
universo.
"Se Θ13 fosse nulo, não seria possível medir, nas
oscilações, a assimetria de carga-paridade. Porém,
o Double Chooz forneceu um valor diferente de
zero. E isso possibilita que experimentos futuros
obtenham medidas da violação de simetria. Esses
experimentos de nova geração são necessários
porque, mesmo com Θ13 diferente de zero, a
assimetria pode ser nula," explicou Pietro Chimenti,
membro da colaboração Double Chooz.
Foto do detector interno do experimento Double Chooz, feito ao lado de uma usina nuclear. [Imagem: CEA-Saclay/IRFU-SIS]
Neutrinos
Os neutrinos são a segunda partícula mais
abundante do universo, depois dos fótons. E, pelo
fato de não serem suscetíveis à interação
eletromagnética nem à interação nuclear forte, são
capazes de atravessar a matéria comum, mesmo
os corpos mais compactos, sem que seu
movimento seja barrado ou desviado. Essas
propriedades singulares lhes conferem um papel
único na física.
No chamado Modelo Padrão da Física de Partículas,
o neutrino faz parte da família dos léptons. Para
cada lépton eletricamente carregado (o elétron, o
múon e o tau), existe um tipo de neutrino
correspondente. O que os experimentos que
ganharam o Nobel de Física de 2015 fizeram foi
comprovar que um tipo de neutrino se transforma
em outro, algo que só é possível se o neutrino tiver
massa - até então os físicos acreditavam que o
neutrino não tivesse massa.
A demonstração da massa da partícula transformou
o estudo dos neutrinos em um dos campos mais
promissores da física atual.
Nosso planeta é atravessado regularmente por
trilhões de neutrinos das mais diversas origens:
neutrinos que foram produzidos nos primeiros
tempos do universo; neutrinos provenientes de
fontes extragalácticas; neutrinos gerados no interior
das estrelas da Via Láctea; neutrinos originados no
Sol; neutrinos resultantes do choque de raios
cósmicos com a atmosfera terrestre e
provavelmente muitos etcéteras.
Decaimento beta
Por exemplo, existem neutrinos produzidos pelo
processo nuclear conhecido como decaimento beta,
muito frequente nas usinas nucleares. São estes
neutrinos que foram e ainda estão sendo medidos
pelo experimento Double Chooz. O decaimento
beta é o processo por meio do qual um núcleo
instável se transforma em outro ao emitir uma
partícula beta (um elétron ou um pósitron). No
decaimento Β- (beta menos), um nêutron se
transforma em um próton, ao emitir um elétron e
um antineutrino. No decaimento Β+ (beta mais),
um próton se transforma em um nêutron, ao emitir
um pósitron e um neutrino do elétron. Além desses
dois tipos de decaimento, a transformação pode
ocorrer também por meio da captura eletrônica.
Nesta, um próton se transforma em um nêutron,
ao capturar um elétron e um neutrino do elétron.
"Devido à grande potência da central, o fenômeno
é bastante expressivo em Chooz. E o experimento
Double Chooz foi montado para medir a
transformação de neutrinos do elétron em outros
neutrinos ao se afastarem da fonte que os gerou. O
experimento deverá se prolongar por ainda mais
um ano. Mas já proporcionou medidas muito
importantes do ângulo de mistura Θ13. E isso
suscita muita expectativa em relação ao estudo da
assimetria entre matéria e antimatéria. A violação
da simetria de carga-paridade explicaria por que
observamos matéria e não antimatéria no
universo," finalizou Chimenti.
Artigo Correlato:
Entenda a massa dos neutrinos que rendeu o Nobel de Física
Com informações da Agência Fapesp - 09/10/2015
Cientistas usam um bote dentro do Observatório de Neutrinos Superkamiokande, formado por milhares de detectores em uma instalação subterrânea, totalmente preenchida com água. [Imagem: Universidade de Tóquio]
Massa dos neutrinos
Duas décadas depois da descoberta das oscilações dos
neutrinos, que mostrou que essas partículas possuem
massa, os dois principais responsáveis pela façanha, o
japonês Takaaki Kajita, do Observatório Superkamiokande
(Universidade de Tóquio), e o canadense Arthur McDonald,
do Observatório de Neutrinos Sudbury (Universidade
Em dois experimentos independentes, as equipes
lideradas por Kajita e McDonald demonstraram que os
neutrinos podem mudar de identidade - ou de "sabor",
conforme o jargão da física de partículas.
Em outras palavras, um tipo de neutrino pode se
transformar em outro - hoje são conhecidos três tipos de
neutrinos: do elétron, do múon e do tau.
Para que tal mudança ocorra, é preciso que a partícula
tenha massa. O chamado Modelo Padrão da Física de
Partículas considerava até então que o neutrino não
possuía massa.
Conforme explica o físico Robert Garisto, editor da Physical
Review Letters, "embora cada neutrino seja produzido com
um sabor específico, o seu estado quântico pode evoluir
para uma combinação dos três sabores, com as
proporções oscilando no tempo. A probabilidade de sua
detecção como um neutrino do múon, por exemplo, vai
depender do tamanho do componente múon no neutrino
no momento da detecção. Quanto menor for a diferença
de massa entre os sabores, maior será o período de
oscilação, de modo que as oscilações não poderiam
ocorrer se todos os sabores tivessem a mesma massa ou
não tivessem nenhuma massa, já que o efeito depende
apenas da diferença de massa ao quadrado. O período de
oscilação também aumenta com a energia do neutrino."
Mar de neutrinos
A importância da descoberta para o avanço do
conhecimento é enorme, porque, depois do fóton (a
partícula da interação eletromagnética), o neutrino
é o objeto mais abundante do Universo, descontada
a elusiva matéria escura, cuja existência só é
depreendida pelo seu efeito gravitacional, mas
sobre a qual nada se sabe.
Além disso, diferentemente do fóton, o neutrino
quase não interage com a matéria. Por isso a Terra
- nós incluídos - recebe e é atravessada
regularmente por trilhões de neutrinos sem que
percebamos: neutrinos que foram produzidos nos
primeiros tempos do Universo; neutrinos
provenientes de fontes extragalácticas; neutrinos
gerados no interior das estrelas, entre elas, o Sol;
e neutrinos resultantes do choque de raios
cósmicos
com a atmosfera terrestre.
"Os neutrinos têm, por assim dizer, o dom da
ubiquidade. E são os mensageiros dos confins do
espaço e dos primórdios do tempo, fornecendo
informações preciosas sobre a estrutura do
Universo. Graças à descoberta das oscilações por
Kajita e McDonald, o estudo dos neutrinos é hoje
um dos ramos mais dinâmicos da Física,
mobilizando pesquisadores que trabalham com
partículas e com Cosmologia, com o micro e o
macro", explica a professora Renata Zukanovich
Funchal, do Instituto de Física da Universidade de
São Paulo (USP).
Descoberta do neutrino
Físicos brasileiros querem abrir uma nova janela para o Universo usando o Detector Mário Schenberg, que está procurando as ondas gravitacionais previstas por Einstein. [Imagem: Xavier P.M.Gratens]
Para avaliar o alcance da descoberta que resultou
agora no Nobel, é preciso recuar várias décadas. O
neutrino foi a primeira partícula da Física que teve
sua existência postulada teoricamente, muito antes
da descoberta experimental. Tal postulação foi feita
pelo austríaco Wolfgang Pauli (1900-1958) em
1930, para explicar a conservação da energia
durante o evento nuclear conhecido como
"decaimento beta".
No decaimento beta, o núcleo atômico, que não tem
elétrons, emite um elétron. Sabe-se hoje que isso
resulta da transmutação de um nêutron em um
próton, com a liberação do elétron. Mas, para que a
energia final do processo seja igual à energia inicial,
como exige a lei da conservação da energia, é
preciso que o núcleo emita também outro tipo de
partícula além do elétron.
Essa partícula extra proposta por Pauli, que parecia
um simples artifício, foi inicialmente encarada com
ceticismo pela comunidade científica. Mas o italiano
Enrico Fermi (1901-1954) a levou a sério. E, em
1932, atribuiu-lhe o nome de neutrino, que
significa "pequeno nêutron" em italiano. O
brasileiro Mário Schenberg (1914-1990), que
trabalhou com Fermi, foi um dos primeiros a
utilizar operacionalmente tal ideia, por meio da
qual fechou o balanço energético da explosão das
uma homenagem ao físico, está trabalhando em
busca de sinais das ondas gravitacionais.
A existência do neutrino foi finalmente confirmada
em um experimento conduzido pelos norte-
americanos Clyde Cowan e Frederick Reines em
1956. Em 1995, essa descoberta experimental foi
contemplada com o Prêmio Nobel, que Reines
recebeu, em seu nome e no de Cowan, falecido em
1974.
"No Modelo Padrão, o neutrino faz parte da família
dos léptons. Para cada lépton eletricamente
carregado (o elétron, o múon e o tau), existe um
neutrino correspondente. Portanto, existem três
neutrinos: o do elétron, o do múon e o do tau",
explica Renata. "Inicialmente, conhecia-se somente
o neutrino do elétron. O neutrino do múon foi
descoberto em 1962 e o neutrino do tau apenas em
2000."
Oscilação dos neutrinos
O observatório de neutrinos IceCube, com sensores mergulhados em furos que atingem até 2,5 km de profundidade no gelo eterno da Antártica, recentemente descobriu uma nova classe de neutrinos super-energéticos, que ainda aguarda por mais explicações. [Imagem: IceCube/Divulgação]
A hipótese da oscilação, isto é, da mudança de
"sabor" por meio da qual um neutrino se transforma
em outro, foi a resposta encontrada para uma
grave anomalia que se tornou conhecida com o
desenvolvimento dos processos experimentais.
Essa anomalia foi constatada já no final da década
de 1960, em um experimento realizado na mina de
Homestake, nos Estados Unidos. Destinado a
detectar e contar os neutrinos do elétron
provenientes do Sol recebidos no local, o
experimento mostrou que esse número era apenas
um terço do esperado. Era como se os neutrinos
solares estivessem desaparecendo.
"Na verdade, o ocorrido foi uma mudança de sabor.
Mas isso não se sabia na época. O neutrino e suas
propriedades foram sendo descobertos aos poucos.
Apesar de extremamente abundantes, e de
estarem presentes por toda parte desde o início do
universo, ignoramos por muito tempo sua
existência. Os neutrinos estão para a física de
partículas assim como os micróbios para a
medicina. Durante milênios interagimos com os
micróbios sem saber que eles existiam", comentou
Renata.
Foi essa anomalia entre o número de neutrinos
esperado e o número de neutrinos contabilizado
que motivou, nos anos 1990, o experimento Super-
Kamiokande, coordenado por Kajita. Esse
experimento, realizado em um detector gigantesco,
com 50 mil toneladas de água, foi desenhado para
medir neutrinos solares (gerados pelos processos de
fusão nuclear que ocorrem no núcleo do Sol) e
também neutrinos atmosféricos (resultantes do
choque dos raios cósmicos com as partículas
existentes na atmosfera terrestre).
"O extraordinário no experimento do Super-
Kamiokande é que ele tem direcionalidade. O
detector é capaz de medir neutrinos a partir da
direção da qual provêm, desde os neutrinos vindos
da posição acima do detector até os neutrinos
vindos do outro lado da Terra", afirmou Renata.
"A grande surpresa foi descobrir que o número de
neutrinos variava com a direção. Isso também podia
ser interpretado como uma dependência em
relação à distância. Porque os neutrinos
atmosféricos que vêm de cima do detector têm que
percorrer cerca de 15 quilômetros (que é a altitude
na qual os raios cósmicos interagem com a
atmosfera) enquanto que os neutrinos provenientes
do outro lado da Terra têm que percorrer 15
quilômetros mais 12 mil quilômetros (que é o
tamanho do diâmetro da Terra)".
A descoberta feita pelos japoneses podia ser muito
bem explicada pela oscilação do neutrino do múon
em um outro tipo de neutrino, na época ainda não
observado: o neutrino do tau. Esse resultado foi
apresentado por Kajita em uma conferência
realizada no Japão em 1998. "Ele não apenas
chefiou o experimento como fez a análise dos
resultados obtidos", relatou a pesquisadora.
Neutrinos solares
Depois disso, foi realizado o experimento do
McDonald para explicar a anomalia descoberta em
Homestake, no final da década de 1960, na
contagem dos neutrinos solares. "Este novo
experimento foi realizado na mina de Sudbury, no
Canadá, que, aliás, pertence atualmente à empresa
Vale do Rio Doce. Ele foi concebido especialmente
para medir neutrinos solares. E observou a
transformação de neutrinos do elétron (os únicos
produzidos nas reações de fusão nuclear do Sol)
em neutrinos do múon e neutrinos do tau",
detalhou Renata.
A primeira implicação dessas duas descobertas, a
do Super-Kamiokande e a de Sudbury, é que o
neutrino tem massa. Uma massa extremamente
pequena e que ainda não se sabe quanto vale, mas
que existe. A segunda implicação é que se trata de
um fenômeno quântico, da escala subatômica, que
está sendo observado a partir de efeitos
macroscópicos, por meio de detectores enormes.
"Além disso, como o neutrino têm o dom da
ubiquidade e é produzido pelos mais variados
processos, as descobertas de Kajita e McDonald
provocaram um enorme interesse pelos neutrinos e
uma reavaliação de tudo o que se sabia sobre o
papel deles na física de partículas, nos processos
estelares, na evolução do universo etc. Todas essas
teorias foram revisitadas desde então. Ainda não
podemos prever consequências tecnológicas. Mas
nada impede que isso possa ocorrer no futuro",
concluiu Renata.
Essa linha de pesquisas tornou-se tão importante
que hoje existe uma área de estudos conhecida
Fonte:
J.A.